sexta-feira, 17 de abril de 2015

Da Imaginação ou A Busca da Reflexão Criativa

“A razão, por mais que grite, não pode negar que a imaginação estabeleceu no homem uma segunda natureza.”
Blaise Pascal

A nossa mente é constituída, não pelo ponto de vista biomédico ou neurológico, de dois campos distintos de apreensão e manipulação do saber: a Imaginação e a Razão . A primeira nos é inata e precisa ser estimulada para não definhar; já a segunda é artificial e precisa ser desenvolvida em um ciclo que tende ao infinito. Em ambos não há nenhum tipo de negação ao raciocínio, pois este é a natureza de ambos, pode-se assim concluir que a imaginação e a razão são categorias da mesma natureza. Como apresentarei em um ensaio no presente volume, a Essência do ser é múltipla e interior, já a Aparência é singular e exterior, ou sejam pode ocorrer mais de uma Aparência para uma Essência. O Saber é aqui aproximadamente nossa Essência, e a Imaginação e a Razão aparências daquelas. Em termos semânticos temos que a Razão e Imaginação são a mesma coisa, porém vem-a-ser outras. Agora que não há mais dúvidas em relação ao espaço, dedicar-me-ei à Imaginação, ou melhor, ao seu uso como método cognitivo em prol da solução de problemas, de qualquer natureza, sempre abordando um ponto de vista criativo.
A Imaginação é o campo da mente que se ocupa das categorias mais dinâmicas e não concatenadas, que não apresentam, necessariamente, uma relação de causa e consequência. No fundo tudo o que o Belo acaba por tocar faz parte da Imaginação; desse modo, muitas pessoas tendem a confundir, em termos conceituais, ela com a fantasia ou com algo irreal, porém uma realidade sem qualquer toque imaginativo torna-se assim opaca, sem força. Ela, todavia, não é nada além do que uma forma de raciocínio mais livre e sem as amarras do binômio causa-consequência. Da Imaginação, a Dialética passa a quilômetros, à deriva. Aqui é o reino do individual, do caráter mais individual do pensamento. Para ela existir é necessário, também, haver o fator da criatividade.

Explico, a criatividade propõe novas formas de entendimento e solução para problemas cristalizados com o tempo, o que surgem com os novos adventos do presente-futuro. Portanto, nada mais justo do que afirmar que a Imaginação é uma forma de raciocínio individual que busca novas formas de observar os objetos propostos.
E onde a Imaginação, que também acaba por utilizar o raciocínio como método, e a Razão divergem, perguntar-me-á o interlocutor ávido por definições. São diversos contrassensos entre uma e outra. A Razão é muito mais rígida, cheia de fórmulas e regras, e sempre é utilizada com um objetivo, uma meta: a solução de um determinado problema. Por sua vez, a Imaginação exclui da equação a solução, que pode vir a ser encontrada ou não, além de adicionar um termo fundamental: o espírito do sujeito em questão. A minha Imaginação não é igual à de Elmore Leonard, que não é a mesma de Poe. Aqui estamos nas profundezas do mundo, afinal o combustível daquela são as múltiplas experiências que temos ao longo das nossas vidas. Um livro lido, uma música escutada, qualquer experiência sensível ou emotiva acrescenta algo à Dama Fugaz. Alguém que busca a Imaginação como pontapé inicial de raciocínio, ou melhor, como método cognitivo, precisa colocar em perspectiva que ela não equaciona problemas, ela sente-os.
Mas terá o método imaginativo, ou reflexão criativa, algum motivo para ser utilizado senão na produção estética? A resposta é: sim; pode-se perceber seu uso por aqueles que se debruçam tanta na Metafísica quanto na Política, duas categorias que se preocupam mais em apontar defeitos, ou desvios, teóricos a solucioná-los. Ainda, nessas categorias, problemas que simplesmente não têm solução alguma, o que apenas aumenta a urgência do método proposto. Solucionar, ou equacionar, perguntas como, à guisa de exemplo, se o homem é bom ou mal por natureza acabam por trazer mais problemas do que soluções ao problema original. Então faz-se necessário utilizar a Imaginação para, senão equacionar os problemas, encontrar novos pontos de vista ou prismas, e ao mesmo tempo quebrar a corrente de causa e consequência. 
Posso correr, tal posto, o risco da tentação de sentenciar que a Imaginação seria a negação da maiêutica. Só que ao afirmar tal sentença estaria sobre maneira afirmando que ao utilizarmos a Imaginação como método cognitivo o diálogo precisa ser posto a parte de seu modus operandi.  Ela, entretanto, admite de fato o diálogo e até a dialética em seu cerne, pois a base dela é a criatividade, e é muito mais fácil de observamos o mesmo objeto a partir de um ponto de vista surgido através da interação com outro interlocutor. A Imaginação, em um debate, torna-se extremamente inviável quando há apenas afirmação e apologia, essas tornam a observação viciosa e, aos poucos, cristalinas.
Até aqui não apresentei o método em si que é preciso ser usado ao lidar com a Imaginação. Até agora apresentei como expor as palavras e não apresentar os argumentos. Nesse ponto até a conclusão exporei aquilo que denomino Reflexão Imaginativa, antes, todavia, precisamos entender o significado dessa palavra, reflexão.
Refletir é o ato, ou melhor, a capacidade de pensar especificamente sobre um objeto ou um episódio, de forma subjetividade. Não é meramente pensar, raciocinar, mas sim a capacidade de traçar um complexo painel de pensamentos concatenados, passando, mesmo que sem a intenção, por diversas categorias do saber. Refletir então é um muito mais complexo e dinâmico do que o pensar, afinal ele exige especificidade e capacidade de relacionar diversos saberes. Reflexão é o ato de refletir, e ao mesmo tempo a substância do que ele é constituído. Em tese todos somos capazes de fazermos uma reflexão, porém o exposto por aqui é um refinamento da complexidade de tal definição.  Aqui nosso objetivo é visto por um prisma amplo e profundo, onde refletir necessariamente trespassa por uma análise sistemática e metódica sobre qualquer objeto ou episódio de quaisquer naturezas. A grosso modo, e de maneira bem generalizada, o meu conceito de refletir acaba sendo semelhante ao de filosofar. E qual seria, então, a diferença entre filosofar e refletir? O filosofar necessariamente parte de um problema, geralmente um questionamento, e sistematicamente tenta equacionar este problema, utilizando uma linguagem específica; já o refletir é prestar atenção de forma intelectualizada a algo, passando por diversas categorias do saber (estética, política, ética, etc.) porém sem necessidade latente de uma problematização, afinal ele não tem caráter utilitário, e sim de exposição. Em termos estruturais, o refletir constitui o filosofar, e não o contrário. Esse é um aprofundamento daquele, e o mesmo é um refinamento do pensar. Desse modo, a reflexão imaginativa será, por definição, um meio, jamais um fim.
Ao unirmos a Imaginação e a Reflexão temos um método que busca, concomitantemente, um novo olhar e a articulação do objeto sobre diversos campos. Dessa forma, o que poderá ser tema da reflexão imaginativa? Todo e qualquer objeto que possamos observar por dois ou mais campos do saber. Pegue-mos um poema, à guisa de exemplo, ele pode ser analisado a partir da estética, da moral, da linguagem, entre outros; desse modo conclui-se que a poesia, e toda e qualquer forma de arte, poderá ser divisada através da reflexão imaginativa.
É preciso, entretanto, estipular um limite, mesmo que semântico, à prática de tal método. Um desses traços de fronteira é o caráter especulativo que se deve atribuir ao apresentado. Um método que em seu núcleo mais profundo e sedimentado tem necessariamente a busca de um novo, fresco e revigorante olhar, ante um já viciado e caduco, tem obviamente um traço muito mais teorético do que outro sistema de raciocínio.
Precisamos nos lembrar e nos manter vigilantes que assim como do conceito partimos à matéria, nosso método, por conseguinte, acaba tendo uma utilidade prática, de fundo, mas ainda sim um traço, um valor, que não é apenas, usando o sentido de singularidade e não como leve negação, especulativo, teorético ou idealista.
Aqui chegamos o que julgo ser o ponto mais profundo de todo o método descortinado a vós, tal ponto flexivo, ou chamemos de ponto de dureza, o idealismo é melhor compreendido se nos despirmos de vários preconceitos que tal vernáculo pode vir a carregar. Entre diversos, e de categorias múltiplas, pontos de vista avessos a uma análise mais fecunda e menos deliberada está a suposta interpretação contemporânea a que essa palavra passou a ter, que é o tom de ingenuidade onírica, de que passou a ser como um espelho semântico. Em suma, um sinônimo.
Por idealismo, além desta interpretação coetânea, tomo como o conhecimento de um corolário de ideias, ou seja, conceitos sobre determinado tema em um determinado tempo. Isso é seu uso aprofundado, que busca a elaboração de um conceito amplo, complexo, diverso e mutável, entendido como uma teoria. Como está na fundação da teoria, se um conceito altera-se, torna-se outra definição, outro nome, acaba por alterar toda a estrutura que está erigida sobre ela. É como uma edificação que lhe é furtada de seu pilar, tendencialmente aquela está fadada ao desmoronamento ou a perda de um de seus elementos constitutivos. Um bom exemplo de uma ideia que não é fixa ao longo do tempo é o amor. Seria correto afirmar que o amor de Penélope e Odisseu seja o mesmo do que o de Romeu e Julieta? E este seria o mesmo dos de Goethe, Brönthe e Poe? E tais o mesmo que o de Chaplin e a florista? Acredito que não...
Voltando à reflexão imaginativa e suas objetividades. Os ensaios presentes neste volume serão todos capitaneados por esse tipo especial de metodologia, tanto reflexiva quanto de escrita. A justificativa para isso é que todos eles apresentarão novos pontos de vista para temas clássicos do Belo Saber, todos já sedimentados por reflexões das mais grandiosas mentes que a humanidade jamais conseguiu produzir. Tal método é humanista, isto já é suficiente claro, por conta disso ele pode ser usado por todos os campos concernentes ao entendimento e compreensão do homem, em seu caráter mais singular e íntimo.
Tal método sendo usado afim de entender processos matemáticos, portanto lógicos, pode gerar alguma angústia ao seu contendedor, pois aqui os resultados são em ordem de relevância menores do que os meios utilizados. Ao utilizarmos esse tipo de reflexão nos tornamos apologistas do novo, da audácia, do criativo. Defender a Imaginação é conceber uma forma de mundo onde o saber é visto como algo fundamental, pois esse deriva necessariamente da curiosidade, talvez uma das mais nobres virtudes do ser humano. É preciso nos lembrar que a Imaginação é um fator subjetivo e singular de cada indivíduo, portanto há uma séria dificuldade para compararmos imaginações, afinal apesar de serem de mesmas categorias e da mesma natureza, as imaginações são únicas de cada ser e transmutáveis; elas mudam, alteram seu estado, afim de conseguir a existir sendo meio, então, só conseguimos comparar os fins, os resultados, de seu uso ou não. Mas devemos questionar se no fim ainda há traços do meio ou não, pois havia primariamente um objeto que por necessidade ou imposição externa precisa, ou deve, sofrer uma mudança, uma alteração em sua essência, seja para sobreviver ou para adaptar-se, e por conta disso acaba se tornando outro objeto, ainda da mesma porém de categoria diferente.
Assim sendo é natural afirmar que não é possível atribuir predicados à Imaginação, afinal ao atribuirmos eles, fazemos com que estes sejam capazes de comparação arriscar-me-ei a dizer que a Imaginação, tal qual a Natureza, existe por-si-só e para-si-só, sendo ela sujeito, não objeto. Ela passa então a ter um papel primordial naquele que busca o filosofar, afinal exercerá o locus de escape, de fuga, de individualização.
Em termos de formação, com tudo o que fora exposto, devemos fazer que aqueles que estão nos estágios iniciais da compreensão do mundo e do espírito devam experimentar a Imaginação e toda a força por ela gerada, afinal dessa forma eles conseguirão entender conceitos como objeto e sujeito, individualização, racionalismo e espírito crítico. Os jovens são naturalmente mais imaginativos do que os homens já maduros, posto que eles ainda não passaram por grandes decomposições do mundo, este é assim mais contínuo e linear. Envelhecer é a nossa capacidade de suprimirmos nossa imaginação, afinal de contas.
Cabe então aos professores, mestres e orientadores fornecerem instrumentos e meios afins de fomentar o desenvolvimento e o uso positivo da Imaginação pelos jovens. E como fazer tal tarefa? São duas etapas que podem vir a ser definidoras as quais são embutidas àqueles que pretendem abrir o caminho para a Imaginação. O primeiro passo é entender quem é o jovem defronte a nos, compreender suas singularidades, seus desejos, seus anseios, suas limitações e sua rapidez de aprendizado. Com isso, concluímos que a relação a ser estabelecida entre professor e aluno deve ser particular, próxima e ao mesmo tempo isenta de grandes emoções turbulentas. Assim, na relação é preciso haver ternura, e ao mesmo tempo, cobrança, sem uma anular a outra, afinal essa relação será complexa em amplos sentidos; uma relação pedagógica sem ternura resultará em antipatia entre as partes, diminuindo assim as chances de um aprendizado positivo, ao mesmo tempo se ela se constituir sem a busca de um resultado, o aprendizado, ela não terá essência alguma, sendo então vazia, oca, insossa  
Para além da transferência de saber, há outras formas de utilizarmos a reflexão imaginativa. Há também, como está previamente exposto, os usos para analisarmos um tema já viciado e caduco pela múltipla exposição. Agora, e é meu dever divisar-vos, quais podem ser os usos positivos do nosso método? A resposta está em dois campos majoritários: o filosofar e o criar. 
Sobre o papel empenhado junto ao primeiro acredito já ter sido suficientemente claro, todavia é preciso nos lembrar que a Filosofia, e até ela mesma, carrega em si uma práxis, que é a busca por explicações e definições tanto do mundo interior quanto exterior ao filósofo. Então é condição pétrea para aquele que pretende enveredar-se pelos caminhos do filosofar uma atitude reflexiva de maneira imaginativa, posto que de tal modo esse poderá alcançar melhores resultados.
Já no segundo, um tipo de raciocínio muito mais livre e flutuante, é imprescindível a adoção da reflexão imaginativa. Acredito que todos aqueles que tenham a criação como pathos de seu modus operandi refletem sobre o mundo interior e exterior, afinal a criação é fruto de tal esforço.
Mas temos que considerar aqui, com o perdão do sofismo, que o ser criativo não reflete o mundo de forma racional, e sim de forma sensível e espiritual. Para o criador, refletir é sentir, e tal atitude desperta nele novas definições, no vulgar, novas ideias.
Por conta, então, de causa e consequência é de se esperar que criar, definido aqui como o ato de entender, desvendar, o mundo através da experiência sensível, é necessariamente refletir sobre a natureza das coisas em busca de novas definições de tais experiências. A criação, seja ela artística ou não, passa a ser então vista como fruto de tais experiências. Assim mesmo operando no plano racional, alguém que é criativo necessariamente precisa ser reflexivo. Há alguns que podem se perguntar sobre a inspiração, principalmente sua influência no fazer artístico. Eu acredito que a inspiração é uma experiência muito mais ontológica e dogmática do que racional. A inspiração é o nome que se dá na estética à epifania. Porém há um outro tipo de inspiração, que é aquela cujo artista não tem um ímpeto criativo e repentinamente concebe, em seu sentido reprodutivo, uma obra, e sim aquele cujo horizonte cultural do sujeito criador é posto à prova. É aquela inspiração na qual o artista precisa ser capaz de elencar as suas mais diversas influências, fazendo assim transparecer uma das principais funções do bom artista: a explicitação do debate estético. Essa inspiração é mais típica às belas letras do que às belas artes, afinal é uma das formas de diferenciarmos um bom escritor de um abaixo de medíocre é sua capacidade de inserir-se e fazer-se relevante em um charlar que já dura três milênios. Já às belas artes é esperada, pelo menos arquetipicamente, a inspiração primeira, por conta de seu caráter mais emocional, e até místico. O gênio, a exceção, o extraordinário, está na capacidade de mediar e saber utilizar esses dois tipos de inspiração.
Com o que expomos, então, podemos concluir que o controle e o uso, o bom uso, da reflexão imaginativa, seus frutos e seus méritos, devem ser estimulados para todos aqueles que desejam compreender um objeto de maneira complexa, inovadora e totalizante. Apesar de suas múltiplas faltas e falhas, tal método apresenta-se de tal maneira serena e, metodologicamente, sem grandes predicados. Ficou claro, também, que sua utilização positiva acaba por auxiliar o surgimento de um renovado debate sob temas clássicos e cristalizados.

Tal método, em suma, nada mais do que a máxima subjetivação do discurso.

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