Estou para redigir esse texto
desde o último final de semana. Mas, como diria Getúlio Vargas, forças ocultas
se levantaram contra a minha pessoa. E há vários motivos para que essas forças
ocultas se levantassem, afinal falarei de um tema bem espinhoso: o direito para
escolher quando morrer. O leitor mais atento reparou que eu utilizei apenas o
direito a morrer, não o de morrer quando em estado terminal. O caminho pelo qual
trilharemos é espinhoso, torto e com diversas armadilhas, afinal poucos tabus
são maiores do que a morte na nossa sociedade. Há uma verdade miríade de
assuntos correlatos a morte que nos levam a ter uma opinião sobre ela, passando
pela biologia até a moral religiosa.
Meu estopim para finalmente
escrever sobre o assunto foi a morte da norte-americana Brittany Maynard, que
escolheu o caminho do suicídio assistido para não sofrer e causar sofrimento.
Maynard tinha um caso grave de tumor cerebral que a faria definhar com o tempo,
então, em uma atitude muito corajosa, resolveu acabar com o seu sofrimento e
daqueles que os rodeavam.
É necessário que façamos uma
distinção entre eutanásia e suicído assistido; o primeiro ocorre quando um
médico facilita diretamente a morte do paciente, desligando os equipamentos de
apoio à vida, negando tratamento ou injetando drogas no paciente; já o segundo
ocorre quando uma pessoa, seja ela médica ou não, auxilia a pessoa a morrer,
esse auxílio pode ou não ser material, podendo até ser classificado quando há
um encorajamento ao suicídio.
Existe, portanto, um dilema na
ética médica: ajudar um paciente a morrer não iria de encontro ao próprio devir
da profissão? Afinal um médico é um profissional que tem como missão oferecer
saúde aqueles que a necessitam. Acredito, não sou médico, que até a eutanásia é
uma forma de promover saúde para quem precisa, afinal estar preso à uma cama na
esperança de uma cura miraculosa é estar saudável?
Claro, que pensando friamente
queremos que as pessoas ao nosso redor não sofram de maneira alguma, e nosso
cérebro é programado para sempre enxergar a vida pelo seu prisma positivo. Mas
e os que ficam? Eles também precisam entender que a pessoa ali na frente delas
é um indivíduo, um ser humano, e como tal também direito ao direito individual.
Como escrevi no texto sobre a legalização das drogas (você pode lê-lo aqui),
sou amplamente favorável aos direitos individuais. E o que é um direito
individual? Acredito que um direito individual é aquele que afeta exclusivamente
um único indivíduo e que não traga prejuízo a outrem, e se causar esse prejuízo
precisa ser mediado por órgãos independentes. O direito de expressão é um ótimo
exemplo de direito individual: eu posso me expressar livremente, posso externar
o meu pensamento, que também é um direito inalienável ao ser humano, porém se
no exercício desse meu direito eu ofender ou acusar outra pessoa, medidas
precisam ser tomadas, no caso responder juridicamente e provar a acusação,
respectivamente. Como em todos os mecanismos da lei, os direitos individuais se
pautam pelo bônus e ônus. Voltarei a esse tema quando escrever sobre o direito
à propriedade e o uso social da mesma.
Voltando, escolher quando vamos
morrer, na minha concepção, é um direito individual, e como tal precisa ser
respeitado. No entanto, acredito que não encaramos a morte como tal por conta
dela apresentar uma relação dupla como ser humano: há os que vão e os que
ficam. Apesar da morte ser “apenas uma transição”, para os que ficam não. Ela é
perene. Nada vai trazer de volta as pessoas que eu perdi ao longo do caminho
(nada a não ser um apocalipse zumbi – piada para relaxar um pouco). Volto a
bater na mesma tecla: a dor dos que ficam precisa ser entendida e respeitada,
assim como o direito de escolha daquele que parte.
Eu como livre pensador tendo a
entender quem pratica o suicídio, quem quer morrer, não importa estando doente
ou não, afinal se é uma escolha feita à luz da plenitude mental e isso não vise
nenhum egoísmo, tal ato não trará mal algum para ninguém a não ser a própria
pessoa. É mesmo raciocínio lógico que faço ao aborto, a ingestão de entorpecentes,
a fazer uma tatuagem, etc. Nosso objetivo de vida é fazer e disseminar o bem e
a boaventurança.
E donde vem esse tabu sobre a
morte?
Assim como a maioria dos tabus,
esse também tem uma origem na moral pautada pela religião. As maiores religiões
do mundo contemporâneo (cristianismo, islamismo, hinduísmo, budismo e judaísmo)
têm uma visão negativa sobre o suicídio, visto basicamente como uma afronta contra
uma força superior e criadora. Ou seja, matar a si mesmo é visto como um
“pecado” afinal só aquele que dá a vida pode tirar a vida. Isso simplificando
muito os conceitos gerais e particulares de cada religião. Com exceção dos
casos de martírio pela jihad islâmica, visto como um sacrifício maior e
abençoado por Alá, e as práticas gnósticas (que remontam a Antiguidade e a
Idade Média) e os cátaros medievais, ambos acreditavam que a carne é o cárcere
do espírito, e como tal precisa ser destruído, seja pela morte ou pelo flagelo,
todas as manifestações religiosas são, tendencialmente, contra qualquer forma
de manifestação suicida.
Ou seja, tanto pelo aspecto moral
quanto ético, passando pela consciência e até definir o que é a morte (um dos
problemas fundamentais da filosofia ocidental é solucionar nosso desejo pela
eternidade, e o modelo apresentado/solucionado foi a separação entre “corpo” e
“mente”, aquele mortal e imperfeito, essa imortal e perfeita), o suicídio, seja
por qualquer motivo ainda é um tema bem espinhoso. Como livre pensador e
defensor das liberdades e dos direitos individuais, tendo a aceitar o suicídio
como uma forma final do sujeito expressar seu desejo de controle do próprio
corpo. Porém, não vejo, hoje, como uma prática a qual sustentaria comigo mesmo
e não “aprovaria”, apesar de entender e compreender a decisão, desse ato por
alguém a quem eu amo.
Links
Notícia vinculada na versão online
da Folha de São Paulo sobre a morte da norte-americana Brittany Maynard:
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/11/1542393-morre-nos-eua-jovem-com-cancer-que-planejou-seu-suicidio-assistido.shtml
Notícia vinculada no G1 sobre o
status legal da eutanásia e do suícidio assistido pelo mundo:
http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2014/11/ao-menos-5-paises-permitem-suicidio-assistido-ou-eutanasia-veja-quais-sao.html
Verbete na Wikipédia sobre o
Suícidio: http://pt.wikipedia.org/wiki/Suic%C3%ADdio
Artigo no LFG explicando a
diferença entre eutnásia, distanásia, ortotanásia e o status legal de cada uma delas
no Brasil:
http://ww3.lfg.com.br/artigo/2008080409551418_direito-criminal_qual-a-diferena-entre-eutan%C2%A0sia-distan%C2%A0sia-e-ortotan%C2%A0sia.html
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