sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Pelo Direito à Escolha


Estou para redigir esse texto desde o último final de semana. Mas, como diria Getúlio Vargas, forças ocultas se levantaram contra a minha pessoa. E há vários motivos para que essas forças ocultas se levantassem, afinal falarei de um tema bem espinhoso: o direito para escolher quando morrer. O leitor mais atento reparou que eu utilizei apenas o direito a morrer, não o de morrer quando em estado terminal. O caminho pelo qual trilharemos é espinhoso, torto e com diversas armadilhas, afinal poucos tabus são maiores do que a morte na nossa sociedade. Há uma verdade miríade de assuntos correlatos a morte que nos levam a ter uma opinião sobre ela, passando pela biologia até a moral religiosa.
Meu estopim para finalmente escrever sobre o assunto foi a morte da norte-americana Brittany Maynard, que escolheu o caminho do suicídio assistido para não sofrer e causar sofrimento. Maynard tinha um caso grave de tumor cerebral que a faria definhar com o tempo, então, em uma atitude muito corajosa, resolveu acabar com o seu sofrimento e daqueles que os rodeavam.

É necessário que façamos uma distinção entre eutanásia e suicído assistido; o primeiro ocorre quando um médico facilita diretamente a morte do paciente, desligando os equipamentos de apoio à vida, negando tratamento ou injetando drogas no paciente; já o segundo ocorre quando uma pessoa, seja ela médica ou não, auxilia a pessoa a morrer, esse auxílio pode ou não ser material, podendo até ser classificado quando há um encorajamento ao suicídio.
Existe, portanto, um dilema na ética médica: ajudar um paciente a morrer não iria de encontro ao próprio devir da profissão? Afinal um médico é um profissional que tem como missão oferecer saúde aqueles que a necessitam. Acredito, não sou médico, que até a eutanásia é uma forma de promover saúde para quem precisa, afinal estar preso à uma cama na esperança de uma cura miraculosa é estar saudável?
Claro, que pensando friamente queremos que as pessoas ao nosso redor não sofram de maneira alguma, e nosso cérebro é programado para sempre enxergar a vida pelo seu prisma positivo. Mas e os que ficam? Eles também precisam entender que a pessoa ali na frente delas é um indivíduo, um ser humano, e como tal também direito ao direito individual. Como escrevi no texto sobre a legalização das drogas (você pode lê-lo aqui), sou amplamente favorável aos direitos individuais. E o que é um direito individual? Acredito que um direito individual é aquele que afeta exclusivamente um único indivíduo e que não traga prejuízo a outrem, e se causar esse prejuízo precisa ser mediado por órgãos independentes. O direito de expressão é um ótimo exemplo de direito individual: eu posso me expressar livremente, posso externar o meu pensamento, que também é um direito inalienável ao ser humano, porém se no exercício desse meu direito eu ofender ou acusar outra pessoa, medidas precisam ser tomadas, no caso responder juridicamente e provar a acusação, respectivamente. Como em todos os mecanismos da lei, os direitos individuais se pautam pelo bônus e ônus. Voltarei a esse tema quando escrever sobre o direito à propriedade e o uso social da mesma.
Voltando, escolher quando vamos morrer, na minha concepção, é um direito individual, e como tal precisa ser respeitado. No entanto, acredito que não encaramos a morte como tal por conta dela apresentar uma relação dupla como ser humano: há os que vão e os que ficam. Apesar da morte ser “apenas uma transição”, para os que ficam não. Ela é perene. Nada vai trazer de volta as pessoas que eu perdi ao longo do caminho (nada a não ser um apocalipse zumbi – piada para relaxar um pouco). Volto a bater na mesma tecla: a dor dos que ficam precisa ser entendida e respeitada, assim como o direito de escolha daquele que parte.
Eu como livre pensador tendo a entender quem pratica o suicídio, quem quer morrer, não importa estando doente ou não, afinal se é uma escolha feita à luz da plenitude mental e isso não vise nenhum egoísmo, tal ato não trará mal algum para ninguém a não ser a própria pessoa. É mesmo raciocínio lógico que faço ao aborto, a ingestão de entorpecentes, a fazer uma tatuagem, etc. Nosso objetivo de vida é fazer e disseminar o bem e a boaventurança.
E donde vem esse tabu sobre a morte?
Assim como a maioria dos tabus, esse também tem uma origem na moral pautada pela religião. As maiores religiões do mundo contemporâneo (cristianismo, islamismo, hinduísmo, budismo e judaísmo) têm uma visão negativa sobre o suicídio, visto basicamente como uma afronta contra uma força superior e criadora. Ou seja, matar a si mesmo é visto como um “pecado” afinal só aquele que dá a vida pode tirar a vida. Isso simplificando muito os conceitos gerais e particulares de cada religião. Com exceção dos casos de martírio pela jihad islâmica, visto como um sacrifício maior e abençoado por Alá, e as práticas gnósticas (que remontam a Antiguidade e a Idade Média) e os cátaros medievais, ambos acreditavam que a carne é o cárcere do espírito, e como tal precisa ser destruído, seja pela morte ou pelo flagelo, todas as manifestações religiosas são, tendencialmente, contra qualquer forma de manifestação suicida.
Ou seja, tanto pelo aspecto moral quanto ético, passando pela consciência e até definir o que é a morte (um dos problemas fundamentais da filosofia ocidental é solucionar nosso desejo pela eternidade, e o modelo apresentado/solucionado foi a separação entre “corpo” e “mente”, aquele mortal e imperfeito, essa imortal e perfeita), o suicídio, seja por qualquer motivo ainda é um tema bem espinhoso. Como livre pensador e defensor das liberdades e dos direitos individuais, tendo a aceitar o suicídio como uma forma final do sujeito expressar seu desejo de controle do próprio corpo. Porém, não vejo, hoje, como uma prática a qual sustentaria comigo mesmo e não “aprovaria”, apesar de entender e compreender a decisão, desse ato por alguém a quem eu amo.

Links
Notícia vinculada na versão online da Folha de São Paulo sobre a morte da norte-americana Brittany Maynard: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/11/1542393-morre-nos-eua-jovem-com-cancer-que-planejou-seu-suicidio-assistido.shtml
Notícia vinculada no G1 sobre o status legal da eutanásia e do suícidio assistido pelo mundo: http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2014/11/ao-menos-5-paises-permitem-suicidio-assistido-ou-eutanasia-veja-quais-sao.html
Verbete na Wikipédia sobre o Suícidio: http://pt.wikipedia.org/wiki/Suic%C3%ADdio

Artigo no LFG explicando a diferença entre eutnásia, distanásia, ortotanásia e o status legal de cada uma delas no Brasil: http://ww3.lfg.com.br/artigo/2008080409551418_direito-criminal_qual-a-diferena-entre-eutan%C2%A0sia-distan%C2%A0sia-e-ortotan%C2%A0sia.html

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