quinta-feira, 20 de março de 2014

A Volta da Brigada Ligeira

Afastada dos grandes noticiários desde os idos da década de 1850, a Crimeia voltou a ser destaque nas últimas semanas, e mais uma vez o Ocidente – leia-se Europa Ocidental – e o povo russo estão envolvidos. Coincidentemente, ou não, de novo a Crimeia é palco do choque entre o pan-eslavismo russo e pretensões econômicas europeias nas terras além da margem oriental do Danúbio.
A atual crise na península, começou por conta de um plebiscito que tornou a Crimeia independente da Ucrânia e a anexou à Federação Russa. O atual modelo russo de Estado se baseia em uma federação de repúblicas autônomas em torno de um poder central. Na teoria, não existe a Rússia, e sim a Federação Russa, sendo assim as relações são mais “fraternas” entre as unidades federativas, constituindo assim um estado baseado na identidade étnica, no caso eslava. Um modelo que é estranho para o Ocidente calcado na ideia de um Estado democrático de direito, com uma república de representação direta.

E como é notório na história russa, estamos vivendo um momento de pan-eslavismo. Povo de origem indo-europeia, que divide a mesma ramificação linguística, os eslavo englobam etnias muito diversas, como búlgaros e russos, na Eurásia, principalmente nas terras orientais do continente europeu. Porém, é bom ressaltar que nem todo povo da Europa Oriental é eslavo; romenos e húngaros, por exemplo, tem uma origem totalmente diversa e independente dos eslavos.
O pan-eslavismo é um movimento nacionalista que surgiu, assim como o pangermanismo e o pan-helenismo, na segunda metade do século XIX, principalmente devido à unificação da Alemanha e a formação da monarquia austro-húngara, fazendo que os eslavos orientais (poloneses, checos, sérvios, croatas, etc.) se aproximam e passassem a depender, tanto economicamente como militarmente, do então Império Russo.
Com a explosão da Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, o sentimento de pan-eslavismo cresce muito, principalmente nas áreas dominadas pelo antigo Império. Com o surgimento da União Soviética e a Segunda Guerra Mundial, os povos eslavos estavam todos, então, orbitando em torno de Moscou.
Foi durante os anos sob o regime soviético, mais precisamente em 1954, que a Crimeia passou a ser uma província (oblast) da então República Socialista Soviética da Ucrânia. Nikita Khrushchev, então secretário geral do partido comunista soviético (chefe do império soviético de fato), fez a doação como um ato simbólico, em comemoração ao aniversário de 300 anos que a Ucrânia passara a fazer parte do Império Russo.
Ou seja, a Crimeia, depois da dominação otomana, foi ucraniana por menos de um século. 50 anos exatamente, duas gerações apenas, tempo curto por demais para se criar alguma uma identificação com a Ucrânia. Lembrando que durante os anos soviéticos as identidades nacionais dentro da União eram suplantadas em prol de uma identificação com a ideologia socialista; visto a proibição das línguas nacionais.
Com o desmantelamento do Império Soviético, a Crimeia, já em 1994, tenta voltar para a Federação Russa, e é impedida pelos ucranianos. Por que? Simples, a Crimeia possui uma importante posição geopolítica, afinal suas terras adentram-se no mar Negro, fazendo que Sebastapool, principal porto e cidade da península, seja um entreposto importante entre a zonas de influência da Rússia e da União Europeia, por conta do estreito de Dardanelos (que liga o mar Negro ao mar Mediterrâneo), na Turquia.
Cabe lembrar que a atual crise na Crimeia explodiu por conta dos protestos em Kiev que derrubaram um governo pró-Moscou e instaurou um regime pró-UE. Voltamos à Guerra da Crimeia, de novo. A UE procura de várias maneiras uma maneira de integrar realmente os antigos aliados soviéticos em seu bloco de influência, em contrapartida a Rússia quer, ou precisa, mostrar que ainda tem relevância militar e econômica.
A anexação da Crimeia, a ocupação da Geórgia e a possível anexação da Transnístria, só mostra o quão relevante a Rússia ainda é. Nós, ocidentais, tínhamos nos esquecidos disso, talvez embriagados pelo regime socialista, porém o poder russo é muito maior do que é isso: é o poder da língua, da cultura, da religião, do passado.

A questão na Crimeia é deveras complexa, afinal os habitantes que falam russo que lá habitam, possuem uma grande identificação com Moscou, porém se a origem de tal anexação não possui legitimação alguma, ainda mais perante os órgãos internacionais, ela se torna apenas um ato de imperialismo e um ressoar do antigo Soviete Supremo. Mas, devemos perguntar, a Crimeia é mais russa ou ucraniana? A resposta: eslava...

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