Afastada dos grandes noticiários
desde os idos da década de 1850, a Crimeia voltou a ser destaque nas últimas
semanas, e mais uma vez o Ocidente – leia-se Europa Ocidental – e o povo russo
estão envolvidos. Coincidentemente, ou não, de novo a Crimeia é palco do choque
entre o pan-eslavismo russo e pretensões econômicas europeias nas terras além
da margem oriental do Danúbio.
A atual crise na península,
começou por conta de um plebiscito que tornou a Crimeia independente da Ucrânia
e a anexou à Federação Russa. O atual modelo russo de Estado se baseia em uma
federação de repúblicas autônomas em torno de um poder central. Na teoria, não
existe a Rússia, e sim a Federação Russa, sendo assim as relações são mais
“fraternas” entre as unidades federativas, constituindo assim um estado baseado
na identidade étnica, no caso eslava. Um modelo que é estranho para o Ocidente
calcado na ideia de um Estado democrático de direito, com uma república de
representação direta.
E como é notório na história
russa, estamos vivendo um momento de pan-eslavismo. Povo de origem
indo-europeia, que divide a mesma ramificação linguística, os eslavo englobam
etnias muito diversas, como búlgaros e russos, na Eurásia, principalmente nas
terras orientais do continente europeu. Porém, é bom ressaltar que nem todo
povo da Europa Oriental é eslavo; romenos e húngaros, por exemplo, tem uma
origem totalmente diversa e independente dos eslavos.
O pan-eslavismo é um movimento
nacionalista que surgiu, assim como o pangermanismo e o pan-helenismo, na
segunda metade do século XIX, principalmente devido à unificação da Alemanha e
a formação da monarquia austro-húngara, fazendo que os eslavos orientais
(poloneses, checos, sérvios, croatas, etc.) se aproximam e passassem a
depender, tanto economicamente como militarmente, do então Império Russo.
Com a explosão da Primeira Guerra
Mundial e a Revolução Russa, o sentimento de pan-eslavismo cresce muito,
principalmente nas áreas dominadas pelo antigo Império. Com o surgimento da
União Soviética e a Segunda Guerra Mundial, os povos eslavos estavam todos,
então, orbitando em torno de Moscou.
Foi durante os anos sob o regime
soviético, mais precisamente em 1954, que a Crimeia passou a ser uma província
(oblast) da então República
Socialista Soviética da Ucrânia. Nikita Khrushchev, então secretário geral do
partido comunista soviético (chefe do império soviético de fato), fez a doação como um ato simbólico, em comemoração ao
aniversário de 300 anos que a Ucrânia passara a fazer parte do Império Russo.
Ou seja, a Crimeia, depois da
dominação otomana, foi ucraniana por menos de um século. 50 anos exatamente,
duas gerações apenas, tempo curto por demais para se criar alguma uma
identificação com a Ucrânia. Lembrando que durante os anos soviéticos as
identidades nacionais dentro da União eram suplantadas em prol de uma
identificação com a ideologia socialista; visto a proibição das línguas
nacionais.
Com o desmantelamento do Império
Soviético, a Crimeia, já em 1994, tenta voltar para a Federação Russa, e é
impedida pelos ucranianos. Por que? Simples, a Crimeia possui uma importante
posição geopolítica, afinal suas terras adentram-se no mar Negro, fazendo que
Sebastapool, principal porto e cidade da península, seja um entreposto
importante entre a zonas de influência da Rússia e da União Europeia, por conta
do estreito de Dardanelos (que liga o mar Negro ao mar Mediterrâneo), na
Turquia.
Cabe lembrar que a atual crise na
Crimeia explodiu por conta dos protestos em Kiev que derrubaram um governo
pró-Moscou e instaurou um regime pró-UE. Voltamos à Guerra da Crimeia, de novo.
A UE procura de várias maneiras uma maneira de integrar realmente os antigos
aliados soviéticos em seu bloco de influência, em contrapartida a Rússia quer,
ou precisa, mostrar que ainda tem relevância militar e econômica.
A anexação da Crimeia, a ocupação
da Geórgia e a possível anexação da Transnístria, só mostra o quão relevante a
Rússia ainda é. Nós, ocidentais, tínhamos nos esquecidos disso, talvez
embriagados pelo regime socialista, porém o poder russo é muito maior do que é
isso: é o poder da língua, da cultura, da religião, do passado.
A questão na Crimeia é deveras
complexa, afinal os habitantes que falam russo que lá habitam, possuem uma
grande identificação com Moscou, porém se a origem de tal anexação não possui
legitimação alguma, ainda mais perante os órgãos internacionais, ela se torna
apenas um ato de imperialismo e um ressoar do antigo Soviete Supremo. Mas,
devemos perguntar, a Crimeia é mais russa ou ucraniana? A resposta: eslava...
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