Há cerca de um ano, eu retomei uma
diversão que tinha quando era criança: assistir à matches de luta-livre, aquela
com lutadores mascarados e tudo é manjado, com bastante periodicidade,
principalmente aquelas promovidos pela World Wrestleing Entertainement, ou
simplesmente WWE. Eu sei que é estranho e constrangedor um homem adulto perder
seu precioso tempo com lutas que são arranjadas, violência barata e muita
maquiagem, paetê e um discurso ralinho, ralinho.
Há, porém, mais do que a nossa
primeira impressão pode revelar. Mas vamos com calmo. Primeiro motivo que me
fez voltar a me interessar por tal “esporte”, não sei direito a sua definição
de esporte, mas este sem competição simplesmente não existe, foi aquela
sensação que todos temos de nostalgia de um passado outrora “perfeito”. A nossa
memória é uma coisa muito gozada, afinal mesmo tendo uma capacidade enorme,
ainda sim instintivamente selecionamos o que vamos guardar.
Seja para o bem, ou para mal,
sempre idealizamos o passado, para ver isso basta perguntar para qualquer
pessoa sobre “o tempo dela”, a pessoa vai responder que o assunto em questão,
no tempo dela, era melhor, maior, mais gostoso e ninguém matava uma bola de canela.
E tal pessoa não entende que “o tempo dela” também é esse presente, enfim...
Essas lutas me remetem ao tempo da
infância, da pré-adolescência, das tardes no Jabaquara, no quintal enorme, que
não é tão grande assim, onde eu brincava e deixava a imaginação voar. Esse
tempo, basicamente, fundamentou aquilo que sou hoje. E a luta-livre me lembra
desse tempo e reforça o que eu estou fazendo aqui nessa experiência pós-útero.
Nostalgia a parte, outro fator que
me fascina em como as lutas se desenvolvem é a questão do espetáculo. Todos os
movimentos, todas as narrativas, todos os personagens envolvidos (lutadores,
treinadores, managers, comentaristas, repórteres, juízes) têm uma única função:
criar o melhor espetáculo possível. É óbvio que a reação do público nem sempre
é aquela esperada pela parte criativa dos programas, afinal trata-se antes de
tudo um show para televisão, o que leva à alterações abruptas e, quase sempre,
estranhas para a narrativa em si.
Falando nela, as histórias
envolvidas também são interessantes, afinal há uma dicotomia pura e simples,
bem à moda yankee, onde o bem sempre vence o mal de maneira redentora, pura e
definitiva, e o mal quando consegue alguma vitória é sempre pela trapaça, pela
mentira, pelas margens das regras. Ou seja, há um discurso e um significado
muito claros para todos os que estão assistindo. O herói, ou face, geralmente é
bonito, asseado, com virtudes de um verdadeiro campeão do Graal; já o vilão, ou
heel, é feio, cruel, maltrapilho, e com sérios desvios comportamentais. Essa
dinâmica é essencial para o desenvolvimento do espetáculo, afinal é o que o
público espera, além de pessoas voando e cadeiras sendo amassadas.
Outro fator, bem yankee, é o fato de todos os conflitos
serem resolvidos com um conflito físico, fenômeno análogo à produção cultura de
e para a massa, basta pegar qualquer HQ de super-herói, ou filme de western, ou
alguma película de ação. Onde há conflito, há conflagração física; os conflitos
nunca são resolvidos pelo diálogo e pelo entendimento do próximo. Acredito que
esse tipo de discurso carrega, no seu âmago, a justificativa para que a
liberdade e democracia, desde que alinhada com Washington, seja levada para
todo o mundo.
Então precisamos levar em conta
que há um fator pedagógico, no sentido de difundir um conhecimento específico,
nesse tipo de narrativa/discurso/espetáculo/esporte. E nesse ponto acho muito
mais delicado, pois afinal tudo isso é uma armação, um faz-de-conta, diria que
quase um conto de fadas – pois há até a donzela em perigo às vezes – e refinado
do que outros “esportes” de contato, como as artes marciais e o MMA, onde a
violência é muito mais explicita e real. No telecatch, o que há é um quê de
circo, da vaudeville, onde possui uma realidade própria e única a ele, não que
nem no MMA onde a realidade do combate é a mesma realidade do cotidiano, ou
seja, se pode no ringue, por que não na rua?
Para finalizar, eu recomendo que
você se dispa de preconceitos e assista a um match, seja para observar a leitura que eu fiz, ou para corroborar
as suas opiniões sobre o assunto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário