quarta-feira, 26 de março de 2014

Sorriamos

Num desses domingos quaisquer, dia deveras ordinário o domingo, papai me ensinou um preceito budista; não que ele – muito respeito com ele! – seja alguma douta autoridade, em assuntos religiosos ou filosóficos, acredito inclusive que nem é muito muito do seu gosto ou feitio sair aconselhando as pessoas. Mas o tal preceito alegrou o tal do meu domingo: “Quando não tiver mais nada o que fazer ou pensar, sorria”. Fiquei matutando algumas horas, e ainda matuto, sobre tal preceito. Cheguei a uma conclusão: que deveria sorrir mais.
Confesso que não sou muito bom na arte do sorrir, pareço um tanto quanto bobo quando o faço, mas é uma grande alegria sorrir. Pense bem. Quando sorrimos das coisas mais bobas, banais, esses os são verdadeiros sorrisos e assim iluminamos nossas almas, trazemos uma alegria imensa para nossas almas. Quase sempre tolhemos nosso direito de sorrir, de gargalhar, de rir. Nos privamos da felicidade, da alegria, do prazer, do joie de vivre.

Mas por que nos privamos? Por que esse asceticismo? Seria herança do Gênesis? Ou do Novo Testamento? Seriam os povos orientais mais felizes? Para essas respostas não estou minimamente preparado para lhe responder, leitor.
Mas basta percorrer, flanar, pelas ruas de alguma grande cidade e perceber o quão infelizes somos. As caras sempre amarradas, aquela pressa característica, algum mal-estar perante a pura vadiagem, no bom sentido, claro, alheio. Um tom acinzentado nos circunda por completo. Será que nos sentimos tão culpados o suficiente para não sorrir? Será que somos assim tão ocupados? Se sim, por que somos? Quem nos disse para sermos? Somos do tempo do não-tempo. Não há tempo para mais nada, muito menos para sorrir. Quantas pessoas ainda verdadeiramente sonham, ou tem alguma espécie de ideal. Somos um bando de infelizes. Em amplos os sentidos.
Hoje vivemos um tempo de baixa difusão cultural. Ao mesmo, tenho a sensação de nunca produzimos tanto, porém a qualidade é medíocre (mediana), e o que de bom é produzido é pura e simplesmente muito hermético para ser difundido. Recuso-me a acreditar que sempre fora assim. Recuso-me com um sorriso, lacônico ou irônico?, nos lábios. Somos todos, hoje, medíocres. Não há nada de genial, nenhum grande nome coletivo, sim coletivo, aquele que todos batem o olho, ouvido, boca, e dizem: oh, sim ele é um gênio. Todos os nossos gênios, da minha geração, são de pelo menos uma geração anterior.
Essa baixeza é infeliz. Por isso não sorrimos, por não termos uma produção estética decente? Pode até ser, mas ainda prefiro culpar, se é que tenho cacife para culpar alguma coisa, o fato de não termos tempo algum. Li um texto quando colegial, e se me lembro bem era do Dali, que dizia que o homem não é livre, e liberdade é um bem que traz alegria, por causa do relógio. O relógio seria o primeiro ditador do homem. Na época isso me pareceu estranho, muito estranho. Mas fui ficando mais velho, mais desencantado, e acho que entendi totalmente o que ele queria dizer. Pense num mundo sem relógio algum, ou algum tipo de mecanizar o tempo. Quase uma maravilha. Seria o colapso do mundo pós pós-moderno, um mundo assim tão ordenadinho e pós-apocalíptico, dependendo muito de quem você for.
Vamos esquecendo como sorrir na medida em que envelhecemos. Parece que a velhice nos traz apenas um certo conforto desconfortável com a solidão. Bertrand Russell disse certa vez que a pior coisa de ficar velho é não termos alguém com quem conversar, afinal, com o passar do tempo, ele tinha perdido todos os seus contemporâneos. Os velhos, não apenas aqueles de idade, não sorriem, podem conferir. Se há alguém velho, na alma, pode perceber que ela não consegue sorrir direito, sorri de maneira meio grotesca, meio bizarra, um sorriso assim forçado, meio que não sabendo direito o que se fazer. É esquisito isso.
Mas tudo isso é muito vago, ainda mais para quem tenta passar uma mensagem altamente alto-astral, positiva mesmo. Talvez eu escreva de novo sobre o tempo e a felicidade, dois temas muito caros para mim.

Seja como for, já que há não mais nada o que se fazer: sorriamos!

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