Num desses domingos quaisquer, dia
deveras ordinário o domingo, papai me ensinou um preceito budista; não que ele
– muito respeito com ele! – seja alguma douta autoridade, em assuntos
religiosos ou filosóficos, acredito inclusive que nem é muito muito do seu
gosto ou feitio sair aconselhando as pessoas. Mas o tal preceito alegrou o tal
do meu domingo: “Quando não tiver mais
nada o que fazer ou pensar, sorria”. Fiquei matutando algumas horas, e
ainda matuto, sobre tal preceito. Cheguei a uma conclusão: que deveria sorrir
mais.
Confesso que não sou muito bom na
arte do sorrir, pareço um tanto quanto bobo quando o faço, mas é uma grande
alegria sorrir. Pense bem. Quando sorrimos das coisas mais bobas, banais, esses
os são verdadeiros sorrisos e assim iluminamos nossas almas, trazemos uma
alegria imensa para nossas almas. Quase sempre tolhemos nosso direito de
sorrir, de gargalhar, de rir. Nos privamos da felicidade, da alegria, do
prazer, do joie de vivre.
Mas por que nos privamos? Por que
esse asceticismo? Seria herança do Gênesis? Ou do Novo Testamento? Seriam os
povos orientais mais felizes? Para essas respostas não estou minimamente
preparado para lhe responder, leitor.
Mas basta percorrer, flanar, pelas
ruas de alguma grande cidade e perceber o quão infelizes somos. As caras sempre
amarradas, aquela pressa característica, algum mal-estar perante a pura
vadiagem, no bom sentido, claro, alheio. Um tom acinzentado nos circunda por
completo. Será que nos sentimos tão culpados o suficiente para não sorrir? Será
que somos assim tão ocupados? Se sim, por que somos? Quem nos disse para
sermos? Somos do tempo do não-tempo. Não há tempo para mais nada, muito menos
para sorrir. Quantas pessoas ainda verdadeiramente sonham, ou tem alguma
espécie de ideal. Somos um bando de infelizes. Em amplos os sentidos.
Hoje vivemos um tempo de baixa
difusão cultural. Ao mesmo, tenho a sensação de nunca produzimos tanto, porém a
qualidade é medíocre (mediana), e o que de bom é produzido é pura e
simplesmente muito hermético para ser difundido. Recuso-me a acreditar que
sempre fora assim. Recuso-me com um sorriso, lacônico ou irônico?, nos lábios.
Somos todos, hoje, medíocres. Não há nada de genial, nenhum grande nome
coletivo, sim coletivo, aquele que todos batem o olho, ouvido, boca, e dizem:
oh, sim ele é um gênio. Todos os nossos gênios, da minha geração, são de pelo
menos uma geração anterior.
Essa baixeza é infeliz. Por isso
não sorrimos, por não termos uma produção estética decente? Pode até ser, mas
ainda prefiro culpar, se é que tenho cacife para culpar alguma coisa, o fato de
não termos tempo algum. Li um texto quando colegial, e se me lembro bem era do
Dali, que dizia que o homem não é livre, e liberdade é um bem que traz alegria,
por causa do relógio. O relógio seria o primeiro ditador do homem. Na época
isso me pareceu estranho, muito estranho. Mas fui ficando mais velho, mais
desencantado, e acho que entendi totalmente o que ele queria dizer. Pense num
mundo sem relógio algum, ou algum tipo de mecanizar o tempo. Quase uma
maravilha. Seria o colapso do mundo pós pós-moderno, um mundo assim tão
ordenadinho e pós-apocalíptico, dependendo muito de quem você for.
Vamos esquecendo como sorrir na
medida em que envelhecemos. Parece que a velhice nos traz apenas um certo
conforto desconfortável com a solidão. Bertrand Russell disse certa vez que a
pior coisa de ficar velho é não termos alguém com quem conversar, afinal, com o
passar do tempo, ele tinha perdido todos os seus contemporâneos. Os velhos, não
apenas aqueles de idade, não sorriem, podem conferir. Se há alguém velho, na
alma, pode perceber que ela não consegue sorrir direito, sorri de maneira meio
grotesca, meio bizarra, um sorriso assim forçado, meio que não sabendo direito
o que se fazer. É esquisito isso.
Mas tudo isso é muito vago, ainda
mais para quem tenta passar uma mensagem altamente alto-astral, positiva mesmo.
Talvez eu escreva de novo sobre o tempo e a felicidade, dois temas muito caros
para mim.
Seja como for, já que há não mais
nada o que se fazer: sorriamos!
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