“Gostávamos da casa porque, além de espaçosa e antiga (hoje que as casas antigas sucumbem à mais vantajosa liquidação de seus materiais), guardava as recordações de nossos bisavôs, o avô paterno, nossos pais e toda a infância.”Julio Cortázar – Casa Tomada (Bestiário)
Seja para o bem, seja para o mal,
Julio Cortázar é um dos autores mais lido em toda América Latina, inclusive no
Brasil, sempre alheio aos companheiros de espanhola fala. Sua prosa ficcional é
talvez junto com a de Jorge Luis Borges o que há de mais conhecido, obviamente
não apenas pela academia hermética, da literatura moderna argentina.
O conto Casa Tomada, publicado em 1951 no livro Bestiário, primeiro livro de sucesso de público e crítica de
Cortázar, conta a história de um casal de irmãos que viveu a vida toda em uma
única casa e de repente ela é tomada por uma presença sobrenatural, ou seja,
acima da natureza do entendimento racional humano, isso não significa anjos,
demônios, fadas e duendes, que não são explicadas quanto à sua natureza, sua
origem, o que é, em suma.
Com clara influência de A Queda do Solar Usher, de Edgar Allan
Poe, o conto descreve com muito mais clareza e profundidade a casa, suas
paredes, seu concreto, do que os personagens humanos. Dessa forma ele cria um
confronto entre um personagem concreto, a casa, e um evento fantástico, a
tomada desta, deixando o leitor incumbido de tentar desvendar, elaborar, uma
resposta para o que são tais entidades.
Assim conhecemos, logo no primeiro
conto do primeiro livro de peso do autor, um dos seus traços mais marcantes em
termos estilísticos: a catarse, esse episódio metafísico sem grandes
explicações onde o sujeito é prontamente iluminado por um conhecimento que
antes era inatingível. O tom catártico de sua obra vai-se, então, permear toda
a obra de Cortázar desde então.
Ai está justamente o seu calcanhar
de Aquiles, segundo seus críticos, afinal essa catarse, esse tom eufórico, é muito
mais comum, em nós, leitores, durante a mocidade e a juventude do que durante a
maturidade, que é marcada por um realismo duro e cinzento.
Acredito que julgar o mérito
literário de um autor baseado em apenas uma de suas múltiplas característica é,
no mínimo, baixeza e preguiça. É óbvio que Cortázar tem seus méritos
literários, é uma questão de comparação apenas. Para nós, brasileiros, por uma
mera questão de nacionalidade, temos a emparelhar Cortázar e Borges, o que
seria o equivalente a emparelhar Chorão e Tom Jobim, ou seja, ambos tem seus
méritos, são assim semelhantes (por ambos tratarem de temas em comum utilizando
o mesmo instrumento, sobre temas próximos), mas estão longe, bem longe por
sinal, de serem iguais.
Há quem diga que Cortázar seria
literatura para adolescente, servindo exclusivamente como uma introdução sobre
o que de maravilhoso essa pode criar na imaginação e no entendimento do leitor.
Bom, eu até concordo, mas dependendo de que tipo de adolescente estamos
falando. Basta olhar o mercado editorial e salas de aulas de Ensino Médio para
constatar que essa realidade um dia já foi verdade. Culpa do mau envelhecimento
de Cortázar? Talvez. Culpa da atual mentalidade em relação à leitura? Com
certeza.
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