quinta-feira, 24 de abril de 2014

Considerações sobre a Pesquisa Públicos de Cultura

No dia 11 desse mês, o Sesc e a Fundação Perseu Abramo disponibilizaram os resultados da pesquisa Públicos de Cultura, que tinham como objetivo traçar um perfil de consumo e consumidores de cultura no Brasil. Os resultados, como veremos, não são tão animadores. Mas antes disso, tenho alguns apontamentos a se fazer.
Em termos estáticos, é impossível fazer qualquer pesquisa com um universo completo, ou seja, seria impossível perguntar para todos os brasileiros quais são seus hábitos culturais, etc. Nem o Censo do IBGE consegue fazer isso, afinal para se fazer parte do Censo é preciso possuir uma residência, o que exclui andarilhos e pessoas que moram na rua.

O universo estatístico dessa pesquisa é bem amplo, sendo entrevistas quase 2.500 pessoas em 139 municípios, de todos os tamanhos, nas cinco regiões do Brasil. A técnica usada foi a survey, que é basicamente aquela de questionários enormes, com perguntas de uma escolha ou de múltipla escolha.
Isto posto, passemos aos resultados em si. Os dados apresentados não divergem de qualquer análise sensata ao meio cultural brasileiro, no qual podemos sentir ou na mídia ou pela nossa própria experiência. Mesmo em uma cidade do tamanho de São Paulo, os círculos culturais são curtos, fechados e bem seccionados.
Um fator salta aos olhos nessa pesquisa: a palavra “cultura”. O que é, afinal, essa palavra? Isso é muito complicado de definir, pois esse conceito apresenta múltiplos desdobramentos. Cultural, no senso comum, acaba sendo tudo o que envolve arte e/ou lazer.
Então, ir a um restaurante é cultura? Sim. Ir a um concerto de Mozart é cultura? Sim. Ir a uma exposição é cultura? Sim. E assistir novela? Dançar em baile funk? Ir ao circo? Sim, sim e sim.
Não gostaria de entrar na questão do que é ou do que não é cultura, aqui não é o espaço para isso. O que me interesse é analisar os resultados de tais pesquisas.
Alguns dados dessa pesquisa me deixaram realmente assustado, principalmente ao que se denomina “alta cultura” (museus, artes plásticas, literatura, teatro, cinema). Segundo a pesquisa, 26% dos entrevistado ou não sabem que tipo de exposição ou nunca foram em uma. Isso equivale a dizer que um em cada quatro entrevistados nunca foram a uma exposição de arte. A mesma percentagem de entrevistados respondeu que não gosta de nenhum tipo de exposição de arte.
Sobre os livros, os dados são ainda mais alarmantes. 34% dos entrevistados disseram que não gostam de NENHUM tipo de leitura. Nenhum. Dos que gostam de ler, 28% gostam de ler livros relacionados à espiritualidade, a Bíblia inclusa. Segundo a pesquisa, 58% dos entrevistados não leram NENHUM livro nos últimos seis meses. Repito: nenhum livro nos últimos seis meses. Aqui está uma verdadeira tragédia para quem gosta de livros e leitura. Sobre os que leram, a grande maioria, 23% leram um ou dois livros nos últimos seis meses.
Os dados nas outras áreas culturais também são alarmantes, como o gosto exagerado por comédias teatrais, espetáculos de stand-up comedy, filmes norte-americanos de comédia, romance ou aventura.
Eu, como educador que sou, me pergunto: o que estamos fazendo para difundir a cultura para o povo brasileiro? Muito pouco... Acredito que a falta de informação e formação está na gênese desse problema, aliás, não se trata de um problema, pois conforme se vai subindo na escala social os números referente aos hábitos culturais vão melhorando. Ou seja, rico consome cultura, pobre não. Por que?
Essa pergunta tem duas respostas: uma fácil, rico tem dinheiro; pobre, não e o acesso à cultura depende de tempo e dinheiro. Lembremos que a efervescência cultura nas grandes cidades geralmente fica concentrado à um ou dois bairros, geralmente centrais, de difícil acesso para quem mora às margens da cidade; a oura, difícil, é a questão d intenção das classes dominantes manterem-se dominantes.
E percebemos com isso na cultura? Acredito que em duas frentes: pelo acesso, seja econômico seja geográfico-urbano, que também representam um discurso, não nos esqueçamos disso. E pelo gosto; haverá algo mais conservador do que dividir os objetos de culturais como sendo de bom ou mau gosto? Ou, ainda, em alta cultura (da e para a elite) e cultura popular (da e para as classes menos favorecidas)? Até quando uma cruza a outra, como o fenômeno do funk que desceu o morro e tomou o asfalto, se dá de forma deturpada, como por exemplo o funk ostentação, que nada mais é do que jovens de classe média mimetizando uma forma estética de vida que não é sua, ou seja, a opulência do capital pelo capital.
A pesquisa Públicos de Cultura não é deveras reveladora, apenas serve como base para corroborar um fantasma que há tempos vem sondando a nossa sociedade. Repensar os acessos e a difusão da cultura, seja ela qual for, para quem for, é um dos fatores mais gritantes da nossa atualidade. Afinal, como diriam os Titãs, você tem fome de que?

Links:

Públicos de Cultura, pesquisa do Sesc e da Fundação Perseu Abramo sobre o consumo e consumidores de cultura no Brasil: http://www.sesc.com.br/portal/site/publicosdecultura/inicio/

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