sexta-feira, 4 de abril de 2014

O Menino, o Homem e a Fé

A leitura, a vida, a cidade, tiraram um pouco da doçura e da simples felicidade; é o que concluo após rever algumas fotos de quando era uma criança pequena. Sem querer me gabar mas fui uma criança bem lindinha e graciosa, em algumas fotos eu mal me reconheço, apesar dos mais próximos insistirem em dizer que pouco mudei nessas três décadas. Dou-me o direito de discordar, todavia.
Divago para tentar chegar em um ponto: quando eu perdi a capacidade de acreditar em alguma coisa? Digo isso, afinal, desde que tenho a capacidade de problematizar meus atos, sempre os coloquei sob um prisma crítico, o que de certa forma me impede de crer em algo. Trocando em miúdos: desde que me entendo por gente eu sempre fui muito racional – apesar dos arroubos de protoromantismo durante a mocidade.
Com isso, apesar da formação católica que possuo – passei quase toda a minha vida escolar em um colégio dominicano – hoje me sinto incapaz de acreditar em qualquer coisa. Acreditar, para mim, é aceitar algum conceito, guardem essa palavra, sem questioná-lo nunca, seja de forma positiva, seja de forma negativa.

Ai entramos em uma seara a qual já me cansei de debater: deus (reparem na caixa baixa empregada) ou qualquer tipo de misticismo (simpatias, magias, clarividência, etc.) e sua existência ou não no meu “sistema” de pensamento.
Tais conceitos são questões de fé, e a fé é a crença levada ao seu extremo. Crer, ou ter fé, é acreditar sem duvidar, ou seja, ter fé é aceitar um conceito sem questionar e sem duvidar. No momento em que você se pergunta “isso é realmente assim?”, pronto, a sua crença se desfaleça no chão.
 E em relação a fé, isso aconteceu muito cedo comigo, pelo menos julgo ter sido muito cedo. Duvidar de deus e conhecer a falibilidade genitora sãos os dois primeiros degraus para o amadurecimento, tanto intelectual quanto sentimental, ambas as ideias remontam à uma realidade idealizada na infância do mundo perfeito.
Há quem consiga superar esse “trauma”, eu, até hoje, não superei. Minha antiga analista, inclusive, e eu chegamos à conclusão uma vez que esses dois episódios seriam uma das raízes dos meus problemas sentimentais.
Com essa descrença, paradoxalmente, me aproximei muito da história das religiões, suas bases filosóficas e seus preceitos. Foi por me afastar de deus que eu consegui ver a sua “obra”. Nessa fase da vida li com fartura autores como Santo Anselmo de Cantábria, Santo Agostinho de Hippona, Pedro Abelardo, São Jerônimo, além da Bíblia, alguns textos rabínicos, alguns trechos do Corão, além das epopeias mesopotâmias.
O que eu aprendi com tudo isso? Muita filosofia, poesia e literatura de alta qualidade. Recuperei a fé? Não... Há quem me diga que você precisa sentir essas forças naturais para poder crer nelas. Ora, eu sinto o amor da minha esposa por mim, mas isso não significa que eu não possa critica-lo hora e outra.
Há, aqui, uma ressalva. Não me considero ateu também, afinal esses negam a existência de deus, o que não deixa de ser uma crença também, é para mim, tanto faz se deus, ou os deuses, e forças ocultas da natureza existem ou não, afinal sua relevância para mim passa ao largo. Se deus existe, eu não consigo senti-lo; se ele não existe, também não faz a mínima diferença, pois seu vazio também me fazem questionar sua existência.

Se fosse me taxar de alguma coisa talvez seria um “homem angustiado cético-nihilista-pessimista”. O que me leva a pensar que aquele menino na foto, do seu jeito, era bem feliz do o homem do texto é hoje. Teria, este, algo de claudicante em si? Isso é assunto para um próximo texto.

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