A
leitura, a vida, a cidade, tiraram um pouco da doçura e da simples felicidade;
é o que concluo após rever algumas fotos de quando era uma criança pequena. Sem
querer me gabar mas fui uma criança bem lindinha e graciosa, em algumas fotos
eu mal me reconheço, apesar dos mais próximos insistirem em dizer que pouco
mudei nessas três décadas. Dou-me o direito de discordar, todavia.
Divago
para tentar chegar em um ponto: quando eu perdi a capacidade de acreditar em
alguma coisa? Digo isso, afinal, desde que tenho a capacidade de problematizar
meus atos, sempre os coloquei sob um prisma crítico, o que de certa forma me
impede de crer em algo. Trocando em miúdos: desde que me entendo por gente eu
sempre fui muito racional – apesar dos arroubos de protoromantismo durante a
mocidade.
Com
isso, apesar da formação católica que possuo – passei quase toda a minha vida
escolar em um colégio dominicano – hoje me sinto incapaz de acreditar em
qualquer coisa. Acreditar, para mim, é aceitar algum conceito, guardem essa
palavra, sem questioná-lo nunca, seja de forma positiva, seja de forma
negativa.
Ai
entramos em uma seara a qual já me cansei de debater: deus (reparem na caixa
baixa empregada) ou qualquer tipo de misticismo (simpatias, magias,
clarividência, etc.) e sua existência ou não no meu “sistema” de pensamento.
Tais
conceitos são questões de fé, e a fé é a crença levada ao seu extremo. Crer, ou
ter fé, é acreditar sem duvidar, ou seja, ter fé é aceitar um conceito sem
questionar e sem duvidar. No momento em que você se pergunta “isso é realmente
assim?”, pronto, a sua crença se desfaleça no chão.
E em relação a fé, isso aconteceu muito cedo
comigo, pelo menos julgo ter sido muito cedo. Duvidar de deus e conhecer a
falibilidade genitora sãos os dois primeiros degraus para o amadurecimento,
tanto intelectual quanto sentimental, ambas as ideias remontam à uma realidade
idealizada na infância do mundo perfeito.
Há quem
consiga superar esse “trauma”, eu, até hoje, não superei. Minha antiga
analista, inclusive, e eu chegamos à conclusão uma vez que esses dois episódios
seriam uma das raízes dos meus problemas sentimentais.
Com essa
descrença, paradoxalmente, me aproximei muito da história das religiões, suas
bases filosóficas e seus preceitos. Foi por me afastar de deus que eu consegui
ver a sua “obra”. Nessa fase da vida li com fartura autores como Santo Anselmo
de Cantábria, Santo Agostinho de Hippona, Pedro Abelardo, São Jerônimo, além da
Bíblia, alguns textos rabínicos, alguns trechos do Corão, além das epopeias
mesopotâmias.
O que eu
aprendi com tudo isso? Muita filosofia, poesia e literatura de alta qualidade.
Recuperei a fé? Não... Há quem me diga que você precisa sentir essas forças
naturais para poder crer nelas. Ora, eu sinto o amor da minha esposa por mim,
mas isso não significa que eu não possa critica-lo hora e outra.
Há,
aqui, uma ressalva. Não me considero ateu também, afinal esses negam a
existência de deus, o que não deixa de ser uma crença também, é para mim, tanto
faz se deus, ou os deuses, e forças ocultas da natureza existem ou não, afinal
sua relevância para mim passa ao largo. Se deus existe, eu não consigo
senti-lo; se ele não existe, também não faz a mínima diferença, pois seu vazio
também me fazem questionar sua existência.
Se fosse
me taxar de alguma coisa talvez seria um “homem angustiado cético-nihilista-pessimista”.
O que me leva a pensar que aquele menino na foto, do seu jeito, era bem feliz
do o homem do texto é hoje. Teria, este, algo de claudicante em si? Isso é
assunto para um próximo texto.
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