terça-feira, 1 de abril de 2014

As Nuvens (Aristófanes)

É preciso muita coragem, em qualquer época da história, para ser crítico dos seus pares. Ainda mais quando se trata de uma figura pública, ainda mais quando se trata de fazer essa crítica pela comédia. O nosso tempo, pós-tudo e pré-nada, talvez por conta do domínio de um bom-mocismo exacerbado, não aceita muito bem a crítica cômica, ainda mais a de tom mais ácido.
As Nuvens é considerada, por diversos críticos e estudiosos, como sendo uma das melhores comédias de Aristófanes. Este foi um dos grandes comediógrafos de seu tempo, contemporâneo de, entre outros tantos, Platão. Com um humor seco, drástico e irônico, Aristófanes em As Nuvens satiriza o grande Sócrates.

Como sabemos, não há nenhuma prova histórica concreta da existência desse grande filósofo; o que conhecemos de sua obra e de sua biografia nos chegou graças aos seus discípulos, dentre os quais destaca-se o já citado Platão. Há quem diga que Sócrates nada mais foi do que um mero personagem platônico, que serviria de interlocutor para seus diálogos.
Com isso em mente, é preciso distinguir ambos os Sócrates: o de Platão, irônico, que nega veementemente os sofistas, que busca o verdadeiro saber; e o de Aristófanes, retrato como um charlatão, capaz de ensinar qualquer um a vencer qualquer debate.
Qual dos, grandes, autores clássicos está correto? Ou nenhum, ou ambos. Infelizmente, não podemos fazer nenhuma distinção concreta entre esse valor para a figura retratada, afinal se não há veracidade e acuidade histórica, o melhor que podemos fazer é especular.
O que é interessante é que Sócrates, seja ele figurativo ou histórico, era uma pessoa das mais influentes na sociedade ateniense. Seus seguidores, a maioria jovens oriundos de parcelas favorecidas da aristocracia da Ática, acabaram por questionar parte da política grega, principalmente a democracia ateniense e seu imperialismo. Por conta disso, e por “descrença” nos deuses e invenção de novos, Sócrates acaba sendo condenado à morte.
Platão, em Apologia de Sócrates, comenta que o que impulsiona essa condenação é justamente a representação sarcástica de seu mestre concebida por Aristófanes.

Temos então um artista conservador e aristocrata que crítica o novo sistema pedagógico implementado por Sócrates. Isso significa muito, afinal ele não se utiliza de nenhum tipo de ranço contra o filósofo, e sim o ataca e seu próprio campo. É correto que faz uma pequena confusão em relação à retórica, detestada por Sócrates, porém ainda sim é uma peça teatral com alto debate intelectual, graça e senso de humor. Não é à toa que As Nuvens é uma obra estudada tanto do ponto de vista da dramaturgia, quanto da filosofia e da história.

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