É preciso muita coragem, em
qualquer época da história, para ser crítico dos seus pares. Ainda mais quando
se trata de uma figura pública, ainda mais quando se trata de fazer essa crítica
pela comédia. O nosso tempo, pós-tudo e pré-nada, talvez por conta do domínio
de um bom-mocismo exacerbado, não aceita muito bem a crítica cômica, ainda mais
a de tom mais ácido.
As Nuvens é considerada, por diversos críticos e estudiosos, como
sendo uma das melhores comédias de Aristófanes. Este foi um dos grandes
comediógrafos de seu tempo, contemporâneo de, entre outros tantos, Platão. Com
um humor seco, drástico e irônico, Aristófanes em As Nuvens satiriza o grande Sócrates.
Como sabemos, não há nenhuma prova
histórica concreta da existência desse grande filósofo; o que conhecemos de sua
obra e de sua biografia nos chegou graças aos seus discípulos, dentre os quais
destaca-se o já citado Platão. Há quem diga que Sócrates nada mais foi do que
um mero personagem platônico, que serviria de interlocutor para seus diálogos.
Com isso em mente, é preciso
distinguir ambos os Sócrates: o de Platão, irônico, que nega veementemente os
sofistas, que busca o verdadeiro saber; e o de Aristófanes, retrato como um
charlatão, capaz de ensinar qualquer um a vencer qualquer debate.
Qual dos, grandes, autores
clássicos está correto? Ou nenhum, ou ambos. Infelizmente, não podemos fazer
nenhuma distinção concreta entre esse valor para a figura retratada, afinal se
não há veracidade e acuidade histórica, o melhor que podemos fazer é especular.
O que é interessante é que
Sócrates, seja ele figurativo ou histórico, era uma pessoa das mais influentes
na sociedade ateniense. Seus seguidores, a maioria jovens oriundos de parcelas
favorecidas da aristocracia da Ática, acabaram por questionar parte da política
grega, principalmente a democracia ateniense e seu imperialismo. Por conta
disso, e por “descrença” nos deuses e invenção de novos, Sócrates acaba sendo
condenado à morte.
Platão, em Apologia de Sócrates, comenta que o que impulsiona essa condenação
é justamente a representação sarcástica de seu mestre concebida por
Aristófanes.
Temos então um artista conservador
e aristocrata que crítica o novo sistema pedagógico implementado por Sócrates.
Isso significa muito, afinal ele não se utiliza de nenhum tipo de ranço contra
o filósofo, e sim o ataca e seu próprio campo. É correto que faz uma pequena
confusão em relação à retórica, detestada por Sócrates, porém ainda sim é uma peça
teatral com alto debate intelectual, graça e senso de humor. Não é à toa que As Nuvens é uma obra estudada tanto do
ponto de vista da dramaturgia, quanto da filosofia e da história.
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