terça-feira, 2 de setembro de 2014

Até Quando Catilina?


Eu tinha me programado para escrever uma resenha sobre o clássico O Coração das Trevas, de Joseph Conrad, porém graças à discussões sem fim, e um pouco de indignação, eu tenho que desviar a rota: vou falar sobre os ditos “vazamentos” recentes de fotos íntimas de algumas celebridades.
O problema aqui é tão grande, tão profundo que nem sei por onde começar. Pretendo abordar basicamente três temas, digamos assim: a inversão entre vítima e criminoso, o moralismo do tema associado a um certo ludismo retrógrado e perguntar quem ganha com isso.

Começamos pelo moralismo. A primeira reação da maioria absoluta das pessoas quando lê ou vê uma notícia dessa é: merece isso tudo, quem mandou tirar foto pelada pelo celular. Os pelinhos do pescoço se erriçam ao ouvir tal bobagem. Primeiro, porque sexualidade e sexo são de foro íntimo e pessoal, qualquer coisa consentida entre dois adultos conscientes na alcova é de problema exclusivamente deles.
Esse exibicionismo, tirar fotos nuas, talvez seja um dos fetiches mais antigos desde do advento da representação artística. Quantos nus, ditos de bons gosto, estão espalhados por ai. Se não existisse esse fetiche, ora bolas, não haveria a pornografia. Não consigo entender esse pensamento moralista que traz para o debate público assuntos que são de foro íntimo. Não me importa as motivações que levaram a pessoa a tirar a roupa e bater uma fotografia e fazer o que quiser com ela. Isso simplesmente não me interessa.
E como disse acima, há um caráter ludista aqui, que é culpar a tecnologia... Quer dizer, se EU entrasse na casa de qualquer uma dessas pessoas, a sociedade do espetáculo às vezes se esquecem que “famosos” ainda são pessoas, e roubasse uma foto impressa tirada com uma câmera analógica, fizesse cópias e distribuísse-as seria um crime, ou um delito. Agora eu hackear o celular, um computador de alguém, não tem problema? Percebem a contradição aqui?
A culpa não é da máquina, não é de quem é fotografada, a culpa é de quem, criminosamente, expõe essas fotos sem o consentimento da pessoa. “Ah, mas essas MULHERES – já entrarei nesse ponto em particular em breve – fazem isso para se autopromover”, não posso, ou melhor, não quero acreditar, que alguém faria isso a si próprio. Será que uma mulher como Jennifer Lawrence, uma atriz tão jovem, tão talentosa, tão promovida, uma das musas da rede mundial de computadores, teria que fazer uma pataquada dessa para se promover? I don’t think so...
Vocês, aliás, já perceberam que são sempre fotos ou vídeos de mulheres que são expostos? E quando há um homem envolvido, ele é sempre tratado de forma secundária – salvo a exceção da mãe das sextapes, o caso Pamela Anderson e Tommy Lee (Motley Crüe) onde o papel dele foi bem explorado – e até mesmo como se não existisse. Quantas fotos de homens celebridades foram vazadas? Eu, simplesmente, não consigo lembrar de nenhum aqui.
Temos um coquetel muito perigoso aqui: ludismo, moralismo e a ética do capital, misturados. Quem ganha com esse tipo de notícia? Em tempos de hiperconectividade vale-tudo por um clique? Eu me recuso a pensar dessa forma...

Volto a repetir: o narcisismo, qual o problema de se sentir bem ao tirar uma foto nua, quem não quer se sentir bem?, e o voyeurismo são fetiches enraizados na sexualidade humana, ir contra isso é de um pensamento tão retrógrado como querer impor quais posições sexuais devem ser feitas. E devemos não nos esquecer que “vazamento” é um eufemismo para roubo, afinal essas fotos são de propriedade de quem fotografa e de quem é fotografada. Até quando viveremos com isso, e acharemos tudo isso normal? Nas palavras de Cícero: “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio?”

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