segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Brahms, Debussy, Ravel


Ontem, no maior espírito de ser paulistano, cumpri uma promessa, empenhada há mais de cinco anos: levar a minha esposa, e não a mulher que mora comigo (essa ironia é bem direcionada), para ir no Theatro Municipal. Ambos gostamos muito de música, eu um pouco mais, e fora o que somos apaixonados pelo centro de São Paulo e sua arquitetura tão eclética, no sentido de ecletismo mesmo.
O programa era muito atraente: Concerto para Violino em Ré Maior, op. 77 de Johannes Brahms, La Mer de Claude Debussy e a segunda suíte do balé Daphnes et Chlöe de Maurice Ravel. A Orquestra Sinfônica do Theatro Municpal foi regida pelo britânico Alexander Joel, e teve como solista o russo Boris Belkin. Aqui dois apartes: não sei vocês, mas para mim, quase todo solista, ainda mais virtuoso, ainda mais de violino ou de piano, é oriundo de algum país que um dia já fora membro do Pacto de Varsóvia; e segundo: não gosto do termo maestro, e sei que diversos músicos também não gosto, assim como também não gosto do termo regente, bem em voga ultimamente, pois ele vem do verbo reger, que vem do régio poder, nessa parte eu prefiro os termos em inglês (conductor) e em francês (conducteur), afinal, leigamente, acredito que o papel do condutor, ou regente, ou maestro, é justamente conduzir a orquestra em seus ensaios e em suas apresentações.

Algumas coisas me chamaram atenção logo na entrada: haviam duas escolas em excursão para ver a apresentação, o que é ótimo, afinal a educação artística é fundamental na formação de melhores pessoas, e noves fora que, do ponto vista pedagógico, você consegue abordar diversas matérias e conteúdos em uma única visita a um prédio tão cheio de história quanto o Municipal e seus arredores. Outra coisa que me chamou muita atenção foi o número de famílias com crianças, o que gerou pequenos estresses em parte da plateia, pois algumas crianças não apresentaram profundo interesse na apresentação, principalmente nas partes com o andamento mais lento e introspectivo. O grande problema, para alguns espectadores que pareciam ter vindo da terra do Grinch, era o "barulho" que essas crianças faziam; eu, como professor e cidadão, não poderia concordar menos com tais atitudes, mesmo ficando levemente incomodado com um choro aqui e outro ali, afinal como a criança vai saber se portar em tal lugar, quando de fato for necessário, se ela não tiver a devida educação. Eu mesmo me sinto meio vendido em relação a protocolos sociais em certas ocasiões, imagine uma criança que nunca teve a oportunidade de viver essas oportunidades - e você pode anotar que é o mesmo tipo de pessoa que reclama que os "jovens" não se interessam por manifestações de "alta cultura". Para eles, o melhor a se fazer é distribuir um piparote na nuca e dar uma banana bem grande.
As três peças foram maravilhosamente tocadas pela orquestra, em um ambiente incrível, os músicos, você podia notar pelo olhar e pelo seu entusiasmo, estavam curtindo muito a apresentação e o público – até onde deu pra notar eles, os verdadeiros artistas presentes, não se sentiram incomodados nem um pouco. Moção especial para Alexander Joel e sua empolgação ao reger, chegando ao ponto de ser extremamente dramático em algumas passagens.
Essa apresentação me lembrou de algo que vira e mexe eu preciso ser lembrado: música é feita para ser ouvida ao vivo, no calor da apresentação e na presença de pessoas. Aqui não importa qual tipo: há alguns anos eu realizei um dos meus sonhos e fui num show do Motörhead, que não tem absolutamente nada a ver com o espetáculo de ontem, e a sensação de arrebatação foi quase a mesma. Há algo de muito misterioso na música que mexe nos meus instintos mais internos e profundos. A música, em seu mistério, parece ser uma conversa direta entre uma alma e outra, ainda mais quando executada ao vivo e em público, acho que, não querendo levar um misticismo jungiano frouxo, a coletividade de almas traz algo a mais para esse diálogo. Experimente ouvir uma música na melhor forma possível no formato de reprodução (vinil, CD, mp3) e depois ouça essa mesma música ao vivo e em público. Não importa o estilo ou gênero musical, o ao vivo vai ser sempre vencedor, não na qualidade, mas no quesito maior da arte que é a emoção.

A música é um mistério para mim, é mistério total, porém é um mistério que premeia toda a minha existência, uma das minhas memórias mais antigas envolve o ato de se ouvir música. Tento fazer uma paráfrase desse sentimento eu formularia a seguinte citação: a música é a moldura da vida.

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