Ontem, no maior espírito de ser
paulistano, cumpri uma promessa, empenhada há mais de cinco anos: levar a minha
esposa, e não a mulher que mora comigo (essa ironia é bem direcionada), para ir
no Theatro Municipal. Ambos gostamos muito de música, eu um pouco mais, e fora
o que somos apaixonados pelo centro de São Paulo e sua arquitetura tão
eclética, no sentido de ecletismo mesmo.
O programa era muito atraente: Concerto para Violino em Ré Maior, op. 77
de Johannes Brahms, La Mer de Claude
Debussy e a segunda suíte do balé Daphnes
et Chlöe de Maurice Ravel. A Orquestra Sinfônica do Theatro Municpal foi
regida pelo britânico Alexander Joel, e teve como solista o russo Boris Belkin.
Aqui dois apartes: não sei vocês, mas para mim, quase todo solista, ainda mais
virtuoso, ainda mais de violino ou de piano, é oriundo de algum país que um dia
já fora membro do Pacto de Varsóvia; e segundo: não gosto do termo maestro, e
sei que diversos músicos também não gosto, assim como também não gosto do termo
regente, bem em voga ultimamente, pois ele vem do verbo reger, que vem do régio
poder, nessa parte eu prefiro os termos em inglês (conductor) e em francês (conducteur),
afinal, leigamente, acredito que o papel do condutor, ou regente, ou maestro, é
justamente conduzir a orquestra em seus ensaios e em suas apresentações.
Algumas coisas me chamaram atenção
logo na entrada: haviam duas escolas em excursão para ver a apresentação, o que
é ótimo, afinal a educação artística é fundamental na formação de melhores
pessoas, e noves fora que, do ponto vista pedagógico, você consegue abordar diversas
matérias e conteúdos em uma única visita a um prédio tão cheio de história
quanto o Municipal e seus arredores. Outra coisa que me chamou muita atenção
foi o número de famílias com crianças, o que gerou pequenos estresses em parte
da plateia, pois algumas crianças não apresentaram profundo interesse na
apresentação, principalmente nas partes com o andamento mais lento e
introspectivo. O grande problema, para alguns espectadores que pareciam ter
vindo da terra do Grinch, era o "barulho" que essas crianças faziam;
eu, como professor e cidadão, não poderia concordar menos com tais atitudes,
mesmo ficando levemente incomodado com um choro aqui e outro ali, afinal como a
criança vai saber se portar em tal lugar, quando de fato for necessário, se ela
não tiver a devida educação. Eu mesmo me sinto meio vendido em relação a
protocolos sociais em certas ocasiões, imagine uma criança que nunca teve a
oportunidade de viver essas oportunidades - e você pode anotar que é o mesmo
tipo de pessoa que reclama que os "jovens" não se interessam por
manifestações de "alta cultura". Para eles, o melhor a se fazer é
distribuir um piparote na nuca e dar uma banana bem grande.
As três peças foram
maravilhosamente tocadas pela orquestra, em um ambiente incrível, os músicos,
você podia notar pelo olhar e pelo seu entusiasmo, estavam curtindo muito a
apresentação e o público – até onde deu pra notar eles, os verdadeiros artistas
presentes, não se sentiram incomodados nem um pouco. Moção especial para
Alexander Joel e sua empolgação ao reger, chegando ao ponto de ser extremamente
dramático em algumas passagens.
Essa apresentação me lembrou de
algo que vira e mexe eu preciso ser lembrado: música é feita para ser ouvida ao
vivo, no calor da apresentação e na presença de pessoas. Aqui não importa qual
tipo: há alguns anos eu realizei um dos meus sonhos e fui num show do
Motörhead, que não tem absolutamente nada a ver com o espetáculo de ontem, e a
sensação de arrebatação foi quase a mesma. Há algo de muito misterioso na
música que mexe nos meus instintos mais internos e profundos. A música, em seu
mistério, parece ser uma conversa direta entre uma alma e outra, ainda mais
quando executada ao vivo e em público, acho que, não querendo levar um
misticismo jungiano frouxo, a coletividade de almas traz algo a mais para esse
diálogo. Experimente ouvir uma música na melhor forma possível no formato de
reprodução (vinil, CD, mp3) e depois ouça essa mesma música ao vivo e em
público. Não importa o estilo ou gênero musical, o ao vivo vai ser sempre
vencedor, não na qualidade, mas no quesito maior da arte que é a emoção.
A música é um mistério para mim, é
mistério total, porém é um mistério que premeia toda a minha existência, uma
das minhas memórias mais antigas envolve o ato de se ouvir música. Tento fazer
uma paráfrase desse sentimento eu formularia a seguinte citação: a música é a
moldura da vida.
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