quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Uma Jornada ao Coração da Loucura

Ler O Coração das Trevas, para quem gosta da boa literatura produzida nos últimos dois séculos, é quase que uma obrigação. E por que digo isso? Simples: sua história permanece mais do que atual, pois trata, paralelamente, de dois assuntos: o imperialismo europeu na África e da loucura do poder.
Nessas duas vertentes, nesses paralelos, ainda há muito frescor no clássico de Conrad, como a ganância dos países mais ricos perante a riqueza natural de países mais pobres, aliado a um processo civilizatório por detrás de um discurso econômico, onde é um “dever” dos mais “civilizados” levaram aos “selvagens” o seu modelo de civilização, não respeitando as características dos ditos “selvagens”, como formação e noção de estado, cultura, identificação cultural, entre outras coisas. Nem levando em conta se o não-civilizado quer se tornar civilizado.
Se olharmos a atual geopolítica mundial, além da África, sempre ela, onde mais podemos perceber isso com clareza: no Oriente Médio. O Ocidente tem enormes dificuldades de entender as instituições, identificações e modelos que ali repousam. Geralmente fazemos generalizações étnicas (árabes, curdos, turcos) e religiosas (mulçumanos, judeus e cristãos) para tratarmos do assunto. Mas o caldo cultural trespassa essas convenções. É um modelo que lhes é único, basta ver a força que grupo como Hamas, Al-Qaeda e o Estado Islâmico possuem na região. O Ocidente tende a achar que o mundo todo sofreu as consequências do Iluminismo e da Revolução Francesa, o que é de uma burrice tremenda.

No livro essa noção é ainda mais arraigada por conta da Companhia de Comércio achar que detém não apenas o direito de explorar um recurso natural (marfim, no caso), como o controle sobre a vida de seus empregados. Os nativos não têm a importância para eles, são apenas massa de trabalho escravo.
Essa leitura, mais política, é bem interessante, porém eu gosto mais a leitura que Coppola fez do livro para livremente, e bota livremente nisso, adapta-lo em Apocalypse Now. A leitura da loucura que o poder pode levar.
No livro, Charles Marlow, um marinheiro inglês, é contratado para resgatar Mr. Kurtz, um comerciante de marfim e responsável por um posto avançado de comércio no rio Congo. Marlow se impressiona com Kurtz, pois sua reputação o precede tremendamente.
A relação entre Kurtz e Marlow se desdobra na forma da dicotomia sanidade versus insanidade, se bem que essa noção de insanidade se dá mais para o final do livro. Marlow se impressiona com a quantidade de marfim que Kurtz consegue negociar, além do respeito que a Companhia tem por ele.
Kurtz, perdido no meio da selva e com uma capacidade retórica fenomenal, longe das amarras da civilização, domina o posto comercial se fazendo impor como um verdadeiro semideus. Ai reside um dos fatores mais interessantes do livro: quando se temos plenamente o poder e não há como haver um contraponto a isso, o que fazer com o poder?
Kurtz, aparado por seus seguidores, se perde em si-mesmo. Aqui há um ponto tanto conservador de Conrad: não há como existir poder sem civilização. Kurtz enlouquece e adoece mas pela falta de um aparato civilizatório do que pelos seus atos.
Enfim, acredito que se trata de um baita livro, com múltiplas leituras e diversas abordagens. A edição que eu li é a da coleção Saraiva de Bolso, com uma tradução razoável e com um preço acessível, por isso se você ainda não leu, deveria ler.


Ficha de Catálogo:
Título: O Coração das Trevas
Autor: Joseph Conrad
Edição: 01ª (Coleção Saraiva de Bolso)
Editora: Nova Fronteira

Ano de publicação: 2013

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