Ler O Coração das Trevas, para quem gosta da
boa literatura produzida nos últimos dois séculos, é quase que uma obrigação. E
por que digo isso? Simples: sua história permanece mais do que atual, pois
trata, paralelamente, de dois assuntos: o imperialismo europeu na África e da
loucura do poder.
Nessas duas
vertentes, nesses paralelos, ainda há muito frescor no clássico de Conrad, como
a ganância dos países mais ricos perante a riqueza natural de países mais
pobres, aliado a um processo civilizatório por detrás de um discurso econômico,
onde é um “dever” dos mais “civilizados” levaram aos “selvagens” o seu modelo
de civilização, não respeitando as características dos ditos “selvagens”, como
formação e noção de estado, cultura, identificação cultural, entre outras
coisas. Nem levando em conta se o não-civilizado quer se tornar civilizado.
Se olharmos a atual
geopolítica mundial, além da África, sempre ela, onde mais podemos perceber
isso com clareza: no Oriente Médio. O Ocidente tem enormes dificuldades de
entender as instituições, identificações e modelos que ali repousam. Geralmente
fazemos generalizações étnicas (árabes, curdos, turcos) e religiosas
(mulçumanos, judeus e cristãos) para tratarmos do assunto. Mas o caldo cultural
trespassa essas convenções. É um modelo que lhes é único, basta ver a força que
grupo como Hamas, Al-Qaeda e o Estado Islâmico possuem na região. O Ocidente
tende a achar que o mundo todo sofreu as consequências do Iluminismo e da
Revolução Francesa, o que é de uma burrice tremenda.
No livro essa noção é
ainda mais arraigada por conta da Companhia de Comércio achar que detém não
apenas o direito de explorar um recurso natural (marfim, no caso), como o
controle sobre a vida de seus empregados. Os nativos não têm a importância para
eles, são apenas massa de trabalho escravo.
Essa leitura, mais
política, é bem interessante, porém eu gosto mais a leitura que Coppola fez do
livro para livremente, e bota livremente nisso, adapta-lo em Apocalypse Now. A leitura da loucura que
o poder pode levar.
No livro, Charles
Marlow, um marinheiro inglês, é contratado para resgatar Mr. Kurtz, um
comerciante de marfim e responsável por um posto avançado de comércio no rio
Congo. Marlow se impressiona com Kurtz, pois sua reputação o precede
tremendamente.
A relação entre Kurtz
e Marlow se desdobra na forma da dicotomia sanidade versus insanidade, se bem
que essa noção de insanidade se dá mais para o final do livro. Marlow se
impressiona com a quantidade de marfim que Kurtz consegue negociar, além do
respeito que a Companhia tem por ele.
Kurtz, perdido no
meio da selva e com uma capacidade retórica fenomenal, longe das amarras da
civilização, domina o posto comercial se fazendo impor como um verdadeiro
semideus. Ai reside um dos fatores mais interessantes do livro: quando se temos
plenamente o poder e não há como haver um contraponto a isso, o que fazer com o
poder?
Kurtz, aparado por
seus seguidores, se perde em si-mesmo. Aqui há um ponto tanto conservador de
Conrad: não há como existir poder sem civilização. Kurtz enlouquece e adoece
mas pela falta de um aparato civilizatório do que pelos seus atos.
Enfim, acredito que
se trata de um baita livro, com múltiplas leituras e diversas abordagens. A
edição que eu li é a da coleção Saraiva
de Bolso, com uma tradução razoável e com um preço acessível, por isso se
você ainda não leu, deveria ler.
Ficha de Catálogo:
Título: O Coração das
Trevas
Autor: Joseph Conrad
Edição: 01ª (Coleção
Saraiva de Bolso)
Editora: Nova
Fronteira
Ano de publicação:
2013
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